terça-feira, 22 de junho de 2010

Go, Neytter, go!

Nada na minha vida é tão fácil. Isso vale até para um mero corte de cabelo.
Com tantos cabeleireiros gays, como eu fui conseguir logo um heterossexual, evangélico e homofóbico? Conheci o Green quando levei um sobrinho para cortar o cabelo pela primeira vez. Cortei o meu também, gostei e virei freguês. Um ano se passou desde então. Sempre falávamos sobre bobagens cotidianas: o calor excessivo, sobre São Paulo, onde ele morou por muitos anos e sobre assuntos diversos que passavam na televisão que ele mantém ligada.
Pois bem, hoje, na dita tevê passou uma reportagem sobre a passeata gay que ocorrerá em São Paulo por esses dias. Pra quê? O homem começou a falar que era um absurdo! Eu respirei fundo, cheio de paciência.
"Absurdo por quê?"
"Isso é uma vergonha!"
"Vergonha de quê, homem? Os caras estão aí para exigirem os direitos deles!"
"Você num vê homem fazendo essas coisas!"
"E porque fariam, se eles ainda são a maioria na sociedade", nesse
momento eu pensei em rumar para um discurso sobre as minorias, mas
achei melhor não. Eu calei. Ele não.
"No tempo do meu pai não tinha gay", eu ri. "Se tinha, era bem menos
que hoje", parei de rir. acabou a pouca graça que tinha.
"Green, àquela época era ditadura, as pessoas se reprimiam demais. Seu pai, seu avô sua mãe, sua avó podiam até ser gays e você jamais soube, nem nunca saberá", nessa hora eu temi, porque afinal de contas o cara estava com a tesoura em mão. Quase fechei os olhos temendo um possível golpe na jugular.
"Mas a Bíblia", é sempre ela!, "diz que o homem só deve se
deitar com a mulher!"
"Rapaz, a Bíblia diz um monte de coisas, mas as religiões interpretam
como bem querem. Quer ver? Sua esposa usa anticoncepcional?"
"Não, eu que uso camisinha!"
"E por que você usa, se a mesmíssima Bíblia que você carrega debaixo do braço, diz para crescer e multiplicar?"
"Mas é diferente!"
"Diferente por que é com você, não é? Será que se um dos seus filhos fosse gay, você os colocaria para fora de casa? Será que você os renegaria? Só sabe quem vive as coisas na pele, as vivencia debaixo do próprio teto. Aí neguinho tem que parar para pensar melhor. Só assim verá o quão preconceituoso e imbecil estava sendo."
"Mas Deus criou o homem e a mulher!"
"E quem criou o gay, o demônio?"
"Foi Deus, mas isso é coisa do Satanás!", eu ri dele e do tal Satanás também, lógico!
"Conversa fiada, Green, Deus fez o homem, a mulher e todos gays do mundo. Ele não faz distinção, nós é que fazemos."
"Eu só acho que essas coisas vêm da televisão! A gente diz pros filhos que não pode isso e lá está a coisa acontecendo na televisão, em plena luz do dia! Como é que a gente vai educar os filhos desse jeito?"
"Ah, meu caro, a tevê, por pior que ela possa ser, taí para abrir discussão. O problema não é ela. É você que não sabe como educar seus filhos. É você que não sabe conversar com eles!"
Dito isso, o miserável simplesmente mudou de assunto. Começou a falar da seleção, do Dunga, da Copa, da África e blá blá blá.
Saí de lá pensando em não mais voltar. Dar meu dinheiro (dinheiro gay!) para um
heterossexual evangélico homofóbico? Porém, eu me conheço um pouco. Conheço-me o suficiente para desconfiar que voltarei lá para retomar o assunto.
Será?